Suicídio: de quem é a culpa?

O suicida ― Édouard Manet

Na profissão de psicanalista e na vocação de pastor, há quatro décadas, tenho me defrontado algumas vezes (mais do que gostaria) com o fenômeno do suicídio. Na semana passada, mais um caso: suicidou-se um dos pastores de uma grande igreja de Indaiatuba/SP, cidade que, paulistano que sou, adotei para viver há quase cinco anos.

O suicídio é uma experiência devastadora. Obviamente, para quem o comete, mas também para os que ficam, parentes, amigos e a sociedade em geral. É um assunto cercado de muitos tabus. Quase não se ouve falar nisso; a mídia silencia sempre que pode; as pessoas evitam o próprio termo.

O suicídio suscita medo, perplexidade, dúvidas existenciais ― e muitas vezes, como agora em Indaiatuba, uma emoção esquisita chamada angústia. A angústia é o oposto da culpa, outra emoção bem difícil de se administrar. Culpa e angústia são emoções polares. Quanto mais angustiado alguém está, menos culpado se sente; quanto mais culpado, menos angustiado.

A culpa sinaliza que você transgrediu uma regra, ou pensa que transgrediu. A angústia sinaliza que alguém transgrediu a regra e você foi prejudicado, ou pensa que foi. Nem sempre o fato que produz angústia e culpa é real; muitas vezes tudo está apenas na nossa imaginação ou no jeito como interpretamos o fato.

Assim, a angústia sempre diz que a responsabilidade pelo que se está passando e sentindo é do outro, e a culpa sempre acredita que a responsabilidade é sua própria.

Li ontem na internet que a filha do pastor que se suicidou está atribuindo ao presidente e ao vice-presidente da igreja a responsabilidade (a culpa) pela morte de seu pai. É uma atitude típica de alguém sequestrado pela angústia. Mas li também que ele havia sido diagnosticado com esquizofrenia e depressão e que estava afastado da atividade pastoral.

Não creio, porém, que alguém seja tão poderoso que consiga “suicidar” alguém. Suicidium, em latim, significa “matar a si mesmo”, o que, por definição, impede que alguém, além do morto, seja responsabilizado pelo ato extremo de dar cabo à própria vida.

Não creio também que o ministério pastoral consiga levar alguém ao suicídio. A expressão “ministério pastoral” é uma abstração linguística; ela não tem poder por si mesma. O que alguém faz com essa abstração dentro de si mesmo é que determina se ela é saudável ou doentia. Eu, por exemplo, depois de mais de quarenta anos de ministério e de muitas vicissitudes terríveis (ah! como é difícil lidar com o ser humano!), continuo achando maravilhoso poder servir a Deus e à sua igreja. Nunca pensei em me matar nem em desistir. Portanto, o problema não é o ministério.

Pastores se matam; padres se matam; médicos se matam; advogados se matam; homossexuais se matam; donas de casa se matam; jovens se matam; velhos se matam. Isso, infelizmente, acontece o tempo todo e em todas as camadas da sociedade, entre crentes e incrédulos, entre eruditos e analfabetos, entre ricos e pobres. Faz parte da nossa natureza decaída.

São muitos os fatores que levam ao suicídio. No ano passado, diante do suicídio de vários pastores, ministrei algumas palestras sobre o assunto e outras sobre depressão. Deixo aqui os slides disponíveis para consulta.

O suicídio está entre as dez maiores causas de morte no mundo e ocorre quando a pessoa está vivenciando um sofrimento intenso, real ou imaginário, e não encontra recursos em si mesma e à sua volta para amenizá-lo.

O suicídio é o resultado de um complexo desequilíbrio de fatores psicológicos, biológicos, sociológicos, familiares, culturais e também espirituais, que resulta em um transtorno mental desestruturante e insuportável, a ponto da pessoa ver a morte como único alívio para a sua dor.

Mas, na verdade, ninguém quer morrer; todos querem ser felizes. Quando a morte parece produzir mais felicidade que a vida, então pode ocorrer à pessoa o desejo de se autoexterminar.

Freud escreveu sobre Eros e Tanatos, respectivamente o instinto de vida e o instinto de morte (Além do princípio do prazer, 1920). Vale a pena conhecer a opinião dele; tem a ver com o nosso tema.

A entropia, a segunda lei da termodinâmica, também contribui para a deterioração da vontade. Issac Azimov, em 1970, ao falar sobre esta lei, advertiu que se não fizermos nada para manter o nosso corpo saudável (eu acrescento aqui a mente também), “tudo se deteriora, colapsa, desmorona, desaparece”.

A entropia está na Bíblia: “… não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço […]. Acho então esta lei: quando quero fazer o bem, o mal está em mim” (Rm 7.19, 21).

Segundo dados divulgados pelo Instituto Schaeffer:

70% dos pastores lutam constantemente contra a depressão
71% se dizem esgotados
72% dizem que estudam a Bíblia só para preparar sermões
80% acreditam que o ministério pastoral afetou negativamente sua família
70% dizem não ter um amigo próximo

Dados do Instituto Fuller:

90% dos pastores disseram que o ministério é diferente do que eles imaginavam
85% disseram estar cansados de lidar com pessoas problemáticas
70% dizem não ter um amigo próximo
50%, apenas, continuam sentindo-se chamados para o pastorado
75% tirariam uma licença médica, se pudessem

Na Bíblia, Jonas desejou a morte, Jó perdeu o prazer de viver, Elias pediu para Deus matá-lo, Jeremias perdeu o gosto pela vida, Paulo desesperou da própria vida. É como canta o poeta: “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é.” (Caetano Veloso, em Dom de Iludir).

Mas o pecado também leva ao suicídio. Há muitos exemplos bíblicos: Saul, Aitofel, Zinri, Judas Iscariotes e outros.

Há também o caso de homens que têm o título de pastor, mas nunca foram vocacionados para o ministério. Alguma circunstância os fez “pastores”, mas de fato não estão aptos para exercer esta nobre função e não sabem o que fazer diante dos muitos desafios próprios da lide ministerial.

Um fato complicador é que o estigma em relação ao tema do suicídio impede que muitas pessoas busquem ajuda, seja pastoral seja profissional. Mas é preciso pedir socorro.

É preciso pedir socorro e é preciso prover socorro. Um amigo, um pastor maduro, um psicoterapeuta (de preferência, cristão) são de grande valia na hora do aperto. Sejamos tais, ou pedintes ou provedores. Não deixemos o sofrimento nos vencer nem vencer o nosso próximo.

Quero concluir dizendo que não é possível nos livrarmos dos problemas. O jeito, então, é aprender a lidar com eles e com as emoções que advêm deles, e usá-las em nosso benefício.

Acima de tudo, porém, corramos para Quem pode verdadeiramente nos ajudar, pois ele já nos convidou:

“Venham a mim todos os que estão cansados e oprimidos, e eu os aliviarei. Levem sobre vocês o meu jugo, e aprendam de mim que sou manso e humilde de coração, e encontrarão descanso para as suas almas. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.”
― Mt 11.28-30

+José Moreno,um bispo anglicano ajudado por Cristo e disposto a ajudar quem precisa.

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2 comentários sobre “Suicídio: de quem é a culpa?

  1. Elenir Cristina dos Santos disse:

    Muito bom ouvir a posição de um profissional e cristão a respeito do assunto!!
    Que benção Indaiatuba ganha com mais uma pessoa que se preocupa em ajudar a n sociedade!!
    Bispo Moreno que Deus o abençoe e use o como instrumento de cura da alma, psíquica e espiritualmente de pessoas aqui em Indaiatuba. !!!

    O meu compromisso com Deus também é de amar e cuidar de vidas, levando a esperança e salvação!! Amo as pessoas!!

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